Crítica | A Canção de Aquiles

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Por Sofia Silva escritor/a em SOMOSGEEKS.PT
Licenciada em Estudos Portugueses e Ingleses. Obcecada com A Guerra dos Tronos, O Senhor dos Anéis e Harry Potter. Bibliófila...

Admito ter uma pequena obsessão com tudo o que tenha a ver com a Guerra de Tróia. Filmes, livros, artes plásticas, seja o que for, chama-me imediatamente a atenção. Assim, A Canção de Aquiles de Madeline Miller não podia escapar. Publicado em 2011, este foi o primeiro livro de Miller, autora americana nascida em 1978 em Boston, Massachusetts. Venceu o cobiçado prémio literário para ficção Orange, e foi geralmente aclamado pela crítica.

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O título não engana – a história segue Aquiles, um dos grandes heróis da Guerra de Tróia. Esta Guerra foi um enorme evento na mitologia grega narrado em inúmeras obras de arte, a mais famosa das quais é a “Ilíada” de Homero, poema épico escrito há aproximadamente 2800 anos. Neste romance bem mais moderno, o narrador e personagem principal é Pátroclo, o famoso companheiro e melhor amigo de Aquiles. Enquanto que Aquiles é aristos achaion, o favorito dos deuses, Pátroclo é um rapaz comum sem grandes talentos; Aquiles é um semideus, filho do rei Peleu e da nereida (divindade do mar) Thetis, e Pátroclo é o filho rejeitado e exilado do rei Menoetius e de uma jovem com uma deficiência mental; Aquiles é respeitado por todos, e Pátroclo é amplamente considerado uma fonte de desapontamento. Quando um evento traumático junta estas duas personagens, ainda crianças, surge entre elas uma inesperada amizade que os une de maneiras mais profundas do que eles poderiam ter imaginado.

Claro, sendo este um livro essencialmente sobre Aquiles, temos todos os elementos clássicos da história: a educação dos dois rapazes com Chiron, o centauro, na montanha; a chamada para a guerra de Tróia e o esforço de Thetis em salvar o filho; e, claro, a Guerra em si. Temos todas as personagens que poderíamos esperar ver: Odisseus, Agamemnon, Menelaus, Hector, Páris… O desfecho é conhecido para todos aqueles que já viram um filme ou leram um livro sobre a Guerra de Tróia. Então, se já conhecemos a história, o que torna este livro tão surpreendente?

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Porque é, de facto, um livro surpreendente. O que surpreende não é o facto de a relação entre Pátroclo e Aquiles se tornar romântica e amorosa – esta interpretação da amizade entre os dois guerreiros é bastante comum, e era aceite como normal no mundo antigo, tendo sido mencionada até por Platão. O que surpreende é a escrita em si, o estilo da descrição, e a sensação de realidade criada pela irrealidade da visão do mundo do narrador. Pátroclo narra o mundo que vê, e a sua perspectiva é profundamente humana. A história tem um realismo extremo que ultrapassa todos os seus elementos de fantasia, faz-nos acreditar que aquelas personagens são reais, e torna o livro numa leitura rápida e viciante.

Um dos elementos mais fantasiosos da história, a presença física da deusa Thetis, acaba por parecer ser uma extensão lógica do mundo natural – nas palavras da aclamada escritora Dona Tartt:

Qualquer classicista ver-se-á encantado pela caracterização da deusa Thetis, que comunica o verdadeiro aspecto selvagem e gélido da antiguidade.

Para além da presença corpórea de Thetis, a participação de outros deuses na trama é subjectiva – profundamente credível quando vista pelos olhos do protagonista, mas sujeita a interpretações diversas quando vista de um ponto de vista moderno. Ao ver estes fenómenos, em especial climáticos, pelos olhos de Pátroclo, não duvidamos da acção dos deuses nestas ocorrências claramente naturais, como, provavelmente, as pessoas do seu tempo também não duvidavam.

A Canção de Aquiles apresenta-nos personagens detalhadas e realistas, uma narrativa surpreendente, detalhes culturais interessantes e tema mitológico trabalhado com realismo.

Miller torna todas as personagens em seres humanos repletos de falhas de carácter e dúvidas, mantendo simultaneamente a aura de heroísmo e de perfeição divina que sempre as cercou. Aquiles continua a ser o melhor guerreiro do mundo, Odisseus continua a ser o homem mais inteligente, Agamemnon um rude ditador. Mas vemos também o outro lado, e acabamos por compreender estas personagens e sentir-nos ligados a elas a um nível pessoal. A descrição de aspectos práticos e quotidianos desta antiguidade tão remota é também fascinante – não temos só descrições de batalhas e glória. Vemos a organização de um acampamento, a sociedade febril que se forma apesar da mortandade e das doenças, e a integração das mulheres roubadas de aldeias pilhadas nesta sociedade.

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Um outro elemento que adorei nesta interpretação da história foi a exclusão total de Helena. Claro que Helena é a mulher mais bela do mundo, e que Agamemnon a usa como pretexto para a guerra, mas a rainha não mostra em nenhum momento esta fatídica beleza, nem mesmo quando Pátroclo se encontra a metros dela. Esta beleza não é, de resto, tão fascinante para os homens em geral nesta história como costuma ser noutras, não é de maneira nenhuma o foco central.

Algumas críticas que li acusam este romance de ser simplista, o que a mim me parece demonstrar falta de sensibilidade quanto à temática do livro. O narrador participante narra a sua perspectiva dos eventos, que, como homem simples que ele é, não é um ensaio erudito sobre as vicissitudes da guerra, nem tem qualquer razão para o ser; como homem apaixonado que é, sofre por vezes de alguma “visão de túnel” e fala apenas de Aquiles, mas, tendo em conta o título, isso também não deveria ser surpreendente. O único defeito que posso apontar a este livro é a rapidez da narrativa na última metade da história – isso, e o facto de me ter deixado profundamente deprimida durante dias a fio depois da leitura!

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