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Deparei-me com A Mulher do Mágico por acaso, sem nunca ter ouvido falar nele nem no seu autor. Acabou por me surpreender imensamente, sendo um livro pleno de significados ocultos e que vê o mundo com uma inocência e franqueza incríveis. Baseado em factos reais, este livro conta a história de Henri Lambert (baseado na personagem histórica Jean Eugene Robert-Houdin), que era na sua época o mais famoso mágico e ilusionista da Europa. Em 1856, no ano antes de os franceses conquistarem a Argélia, Henri é convocado à corte de Napoleão III, juntamente com a sua esposa, Emmeline. É a partir do ponto de vista refrescante de Emmeline que nós vemos esta França do século XIX.

Brian Moore acabou também por ser uma surpresa para mim – foi um escritor famosíssimo. Tendo sido um autor maioritariamente activo entre as décadas de ’50 e ’90, não ficou muito presente na cena literária portuguesa depois da sua morte em 1999, razão pela qual muitos de nós podem não ter ouvido falar nele. Este autor da Irlanda do Norte escreveu 27 romances, a maior parte dos quais estão traduzidos ao português, tendo sido publicados por diversas editoras, como a ASA, a Companhia das Letras e o Círculo de Leitores. A Mulher do Mágico, publicado em 1997, foi a sua última obra; outras obras famosas do mesmo autor incluem A Declaração (1995), Judith Hearne (1955) e A Cor do Sangue (1987).

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A primeira metade do romance A Mulher do Mágico está escrita de uma forma enganosamente simples. Emmeline tem uma vida entediante com o seu marido Henri, que a mantém na sua vila isolada em Tours repleta dos autómatos (robôs) que constrói. Quando o Imperador convoca Henri à Corte, Emmeline sente relutância em abandonar a sua vida pacata, mas acaba por ir, e toda esta primeira parte centra-se em torno das novas experiências desta humilde protagonista. Há muitos pormenores fascinantes sobre o guarda-roupa, as refeições e a etiqueta a empregar na Corte, mas não ao ponto de estes detalhes se tornarem entediantes. Emmeline conhece o charmoso Coronel Deniau, que a seduz implacavelmente, e ela deixa-se seduzir por toda esta vida de luxo.

A segunda metade deste livro é já algo completamente diferente. Henri e Emmeline partem para a Argélia, onde foi dada a Henri a incumbência de convencer os argelinos, através dos seus truques de ilusionista, de que Deus está do lado dos franceses; de que os franceses possuem mais magia sagrada do que os seus homens santos, um dos quais poderá vir a ser aclamado como Mahdi, o Prometido, que livrará o mundo da injustiça e da tirania (e a Argélia dos franceses). O objectivo deste empreendimento é evitar a unificação de todos os argelinos numa guerra contra a França. Henri mostra os seus “milagres” aos nativos, e a descrição destes truques e engenhos é absolutamente fascinante. Ficamos a conhecer os processos através dos quais estes truques eram executados, através da utilização da electricidade e do magnetismo, com os quais o povo argelino não estava familiarizado. Emmeline torna-se na verdadeira heroína do romance ao começar a ver o imperialismo francês por aquilo que este verdadeiramente era: opressão, escravatura, tirania, crueldade. Temos descrições vividas do modo de vida deste povo: as diferenças entre os espaços interiores descontraídos, as roupagens leves, a comida natural.

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Compreendemos nesta riqueza descritiva as razões para a incursão de Emmeline na Corte francesa: o contraste entre um espaço e o outro é abismal. Porque é um modo de vida correcto, e o outro não? Porque é uma religião melhor do que a outra? Nas palavras da própria Emmeline, “a fé deles não era mais espiritual do que o cristianismo, mas era mais forte, assustadora na sua intensidade, com uma certeza que o cristianismo já não possuía”. E, mesmo assumindo que as motivações francesas sejam de facto nobres (civilizar o povo argelino, trazer-lhe conhecimento e tecnologia), será correcto pagar por estes melhoramentos com vidas humanas e com a destruição de uma cultura? O que começou por ser uma história divertida de uma rapariga a experienciar os luxos da vida torna-se no relato do esforço desesperado de um humilde casal francês, cada um com as suas convicções distintas, a tentar alterar o destino do mundo.

Adorei todos os pormenores históricos verídicos d’A Mulher do Mágico, e o modo como une numa só história tantas características diferentes. Tendo-nos entretido e divertido, faz-nos no final deparar com temáticas profundas e importantes. As dificuldades de uma viagem no deserto no século XIX também foram muito bem descritas, tal como o ócio do dia a dia de uma vida feminina na alta sociedade francesa deste tempo. Isto dito, não é de nenhuma maneira um livro de leitura rápida e fácil, apesar de ter um tamanho relativamente reduzido (não chega às 300 páginas). É uma história de desenvolvimento lento, sem demasiados momentos de verdadeira acção. Recomendo-o a quem tiver interesse em ficção histórica, especialmente neste período histórico, ou em cultura muçulmana e africana.

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