RICK AND MORTY | Crítica Da 3ª Temporada

Foi tudo o que eu queria e mais ainda.

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Depois de duas temporadas extremamente bem sucedidas, depois de ganhar uma base de fãs obsessiva, depois de mais de um ano de espera excruciante, finalmente a 3ª Temporada de Rick and Morty chegou. Tivemos o primeiro episódio de surpresa, só para nos trollar, no primeiro de Abril, e depois durante os meses de Agosto e Setembro o resto da temporada propriamente dita.

E tão lentamente como demorou a chegar, depressa se foi. 9 episódios passaram a correr, toda a gente ficou com vontade demais e a temporada acabou com mais um teaser doloroso a gozar connosco e a admitir que vai demorar muito tempo até voltarmos a ter Rick and Morty. Mas durante 10 episódios, Dan Harmon e Justin Roiland produziram uma das obras mais únicas, desafiantes, e agressivamente hilariantes de sempre.

Tudo o que adorávamos em Rick and Morty está de volta. Temos de novo a paródia/comentário à família americana suburbana, as aventuras de ficção-científica exagerada nas quais o Rick obriga o Morty a participar, imensas referências à cultura pop, piadas ordinárias e de mau-gosto, e explorações profundas a temas filosóficos complexos.
A animação propriamente dita continua do melhor que há neste género, misturando perfeitamente o aspecto bidimensional dos Simpsons com um CGI muito subtil que dá uma profundidade excelente a cada composição. Os cenários e settings que nos são apresentados continuam lindíssimos, e vemos uma colecção espectacular de mundos alienígenas, paisagens oníricas e de pesadelo, com cores garridas e apelativas, e cada frame está atulhado de pequenos pormenores e piadas visuais que recompensam um segundo e terceiro visionamento de cada episódio.

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A qualidade das piadas está tão boa como sempre, conseguindo misturar referências pop a todos os minutos com trocadilhos geniais, comédia de situação cruel, e piadas de peidos com uma fluidez que parece que é fácil. Os diálogos parecem poesia, e não há uma palavra ou frase desperdiçada, fazendo com que Rick and Morty seja das séries mais citáveis de sempre. Continuamos a ter uma sensação de aventura e excitação constantes, ou não fosse Dan Harmon um fantástico escritor de narrativa. Todos os episódios conseguem ter uma sensação de princípio, meio e fim muito bem contidos em 20 minutos, que impressionam pela densidade de informação que contêm. De igual forma há um equilíbrio muito agradável de aventuras de ficção científica propriamente ditas, aventuras focadas nas desventuras da família, episódios focados em personagens particulares, e até episódios de “sketches” como os episódios do Interdimensional Cable das temporadas anteriores.

Mas ao passo que as temporadas anteriores não se afastavam muito desse formato e estavam confortavelmente a explorar as suas próprias regras, esta terceira temporada é a que as desenvolve e aprofunda mais. Partindo da premissa que a unidade familiar da família Smith está disrompida com o divórcio do Jerry e da Beth, abre-se a porta para um desenvolvimento fantástico de todas as personagens. Vemos um crescimento que é tão lógico quanto é inteligente de cada uma das personagens. O Morty, a Beth, a Summer o Jerry e até o próprio Rick têm o seu próprio arco narrativo, no qual evoluem e têm aprendizagens por vezes surpreendentes, que por sua vez têm impacto nas suas decisões e que alteram a narrativa. No fim da temporada a própria dinâmica familiar altera-se de maneiras mais ou menos subtis como resultado das aprendizagens individuais de cada personagem.

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Ao mesmo tempo, e de acordo com a promessa do primeiro episódio de que esta seria a temporada mais negra, os temas filosóficos explorados são ainda mais pesados. Mais presentes ainda estão explorações sobre doença mental, liberdade, agência, o niilismo que decorre de perceber que nada no universo tem valor intrínseco, o desespero que daí advém, e como é que o amor e a vontade de viver sobrevivem a isso. Episódios em particular como o Pickle Rick ou o ABCs of Beth são notórios pelas perguntas difíceis que colocam às suas personagens e por sua vez aos espectadores que se identificam com elas.
Outros episódios como The Ricklantis Mixup, providenciam-nos explorações sobre sonhos de adolescência, a opressão social das liberdades individuais, o corporativismo que ameaça esmagar-nos a alma, e corrupção, abuso e manipulação institucional.

Paralelamente a isto há um alargar dos limites da série, expandindo o mundo que já de si é enorme, e um desenvolvimento do grande conflito subjacente à natureza episódica das aventuras, dando continuidade ao grande plano do Big Bad. Tudo isto com uma dose saudável de piadas de peidos e muito mais violência, sangue e tripas do que seria estritamente necessário.

Houve uma grande porção de fãs que ficaram desiludidos com o final da temporada, e eu até compreendo porquê. Era expectável ter algum tipo de grande confronto entre as personagens principais, que desse uma resolução explosiva e épica ao conflito que já tem vindo a ser lentamente montado ao longo das três temporadas. Sabe bem acabar com um bang. Os próprios Dan Harmon e Justin Roiland assumiram que quando se aperceberam que não teriam tempo para acabar os originais 14 episódios que tinham planeados, adaptaram o episódio 10 de maneira a funcionar com final, portanto é perfeitamente possível que houvesse um final estrondoso que não nos foi dado.

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Mas para mim o final não foi menos satisfatório por causa disso. A resolução final é muito mais íntima, pessoal e emocional do que eu esperaria, e resolve algumas das questões filosóficas e emocionais mais importantes das personagens, mesmo que não resolva o conflito do enredo. Mais do que isso resolve um problema muito fundamental da estrutura narrativa da série, revertendo a premissa da série a um status-quo que lhe permite manter-se saudável durante mais temporadas, e isso em si é uma decisão extremamente inteligente.

Para mim a terceira temporada de Rick and Morty foi tudo o que eu queria e mais ainda. É definitivamente a minha temporada preferida até agora, mexeu comigo emocionalmente de uma maneira que eu não estava à espera, e voltou a conseguir impressionar-me com a inteligência e qualidade da sua escrita. Agora só nos resta teorizar acerca de um possível especial de Natal (raios para ti, Mr. Poopy-Butthole, raios para ti!)

Qual foi o teu episódio preferido?