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Lembras-te quando o Tim Burton fazia bons filmes? Bons eram os tempos de Eduardo Mãos de Tesoura (1990), Ed Wood (1995), Marte Ataca! (1996) e O Grande Peixe (2003), quando ele fazia filmes que para além de terem o seu estilo de autor próprio, contavam histórias interessantes que apontavam a um tom único no cinema.

Porque muito mais do que a estética gótica e angustiada que popularizou Tim Burton, as suas histórias eram sempre a desconstrução e exploração de temas normais e familiares, mostrando que por debaixo da superfície havia coisas mais ameaçadoras ou desconfortáveis. Com os anos e com o marketing, a única coisa que restou foi a estética que apelava a multidões de adolescentes angustiados e a qualidade das histórias foi ficando para trás. O culminar disto foi o Sombras da Escuridão (2012) que é pouco mais do que uma amálgama de caricaturas coladas com cuspo numa narrativa quase coerente.

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E agora Tim Burton tentou outra vez.

A Casa da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares tem tudo aquilo que gostamos num filme do Tim Burton. Estão lá a colecção de personagens que parecem saídas do livro The Melancholy Death of Oyster Boy and Other Stories (1997). Cada uma das titulares Crianças Peculiares parece saída desse livro, e todas elas têm a sua peculiaridade específica de forma estranhamente (intencionalmente?) semelhante à Xavier’s School for Gifted Youngsters dos X-Men. No início do filme somos formalmente apresentados a cada uma delas e é-nos explicada a sua peculiaridade que, de forma absolutamente previsível, no conflito final encontra maneira de se tornar útil de maneira mais ou menos forçada.

Nenhuma das personagens é particularmente interessante para além da sua “coisa”, nenhuma é explorada com qualquer tipo de profundidade. Nem sequer a principal personagem feminina desse grupo, a Emma Bloom interpretada por Ella Purnell, consegue ser mais interessante do que uma versão actualizada da Christina Ricci. É só mais uma versão pálida, mortiça e irritantemente misteriosa versão da mesma personagem que vemos sistematicamente nos filmes do Tim Burton.

Temos a narrativa do ancião que conta histórias mirabolantes a uma criança impressionável que quando cresce começa a desiludir-se com o mundo do imaginário, apenas para perceber que afinal era tudo verdade. A personagem principal, Jake interpretada por Asa Butterfield, é o estereótipo do adolescente que se sente desintegrado e com baixa auto-estima por não ter nada de especial acerca de si mesmo, e mantém-se dessa maneira até pelo menos dois terços do filme. A personagem é escrita propositadamente para ser pouco carismática, e isso resulta numa personagem desinteressante, que passa a maior parte do tempo aos trambolhões pelo enredo, a ser puxado daqui e dali por outras personagens, sem grandes decisões.

Há um aspecto narrativo muito interessante na personagem de Jake com o Pai (Chris O’Dowd), que não sabe lidar com ele, nem o que lhe dizer, nem acha que o avô tenha sido a melhor pessoa de sempre. Esta relação difícil mas bem intencionada dos dois lados até era interessante, mas é completamente esquecida a partir de meio do filme. Jake acaba por se transformar na fantasia molhada de todos os adolescentes quando descobre que afinal tem mesmo um super-poder intrínseco que o torna especial e diferente de toda a gente e agora as raparigas já olham para ele.

O filme tenta fazer tudo ao mesmo tempo, tenta usar todos os tropes uns por cima dos outros, tenta misturar vários tons, e nenhuma dessas coisas acaba por ser bem executada

A titular Miss Peregrine é a personagem misteriosa, excêntrica e cheia de segredos, interpretada pela fantástica Eva Green. Também tem a sua peculiaridade e é das poucas personagens interessantes no filme. É pena que acabe por não fazer realmente nada. Nenhuma das suas decisões afecta realmente o enredo, e é mais uma das personagens que desaparece a meio do filme quase sem deixar rasto.

O ritmo do filme é interessante e há um crescendo de tensão e mistério mais pelo facto de termos curiosidade em perceber para onde é que a história vai e como é que se vai resolver. O enredo, infelizmente, é mais convoluto do que precisava de ser, e envolve muitas viagens no tempo que têm regras demasiado complexas ou insuficientemente explicadas para fazerem uma história fluir.

Os vilões, liderados por Samuel L. Jackson, parecem a versão mais adulta e assustadora dos monstros de O Estranho Mundo de Jack (1993) combinados com memes de Internet do Slender Man.

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É exactamente no terceiro acto do filme que toda esta construção feita com peças de filmes do Tim Burton começa a colapsar sob o seu próprio peso. O filme tenta fazer tudo ao mesmo tempo, tenta usar todos os tropes uns por cima dos outros, tenta misturar vários tons, e nenhuma dessas coisas acaba por ser bem executada.

Há uma sequência final particularmente má, na qual os slender mans com um aspecto muito ameaçador e realista estão a aproximar-se das crianças, que acabam por conseguir derrotá-los atirando-lhes bolas de neve e cobrindo-os com algodão doce, e esticando cordas para os fazer tropeçar, tudo ao som de uma música de carrossel estranhamente electrónica. Há uma total dissonância de tons que faz com que a cena falhe a todos os níveis.

A Casa da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares é um filme visualmente muito apelativo, a estética do Tim Burton está toda lá, e ele ainda se esforça por re-introduzir as coisas de que nós gostávamos nas histórias dele. Infelizmente o filme não consegue decidir-se se quer ser uma comédia infantil com uma sub-corrente de ameaça e escuridão, ou um filme pesado e escuro com momentos de humor negro, e acaba por não conseguir fazer nenhuma dessas coisas bem.

Se queres ver um bom filme do Tim Burton vai mas é ver o Olhos Grandes de 2014.

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Gui Santos
Sou um cinéfilo viciado em narrativa, dado a devaneios pretensiosos. Também consigo fingir que percebo mais sobre BD e jogos de computador do que o que realmente sei. Fico constrangedoramente excitado com tudo o que tenha a ver com os Estúdios Marvel.